quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

OS NÚMEROS É QUE SABEM

OS NÚMEROS EXPLICAM

Texto publicado no Jornal "O Basto"
Da autoria de: Eng.º António José Basto

Parece, aparentemente, que o passado não nos permite fazer compreender os absurdos do presente. Ter-me-ei perdido, ao guiar-vos em digressão pela História para encontrar respostas para o presente? Mas que mais nos resta como alavanca para colocar luz nos comportamentos humanos que a vida e o poder transmutam?!

Atente-se que Cícero, na sua genialidade, definiu história como testemunha dos tempos, luz da verdade, vida da memória, mestra da vida, mensageira do passado (Historia uero testis temporum, lux veritatis, uita memoriae, magistra uitae, nuntia uetustatis).

Não creio ter havido mudanças genéticas que tivessem desregulado a raça humana para ser crível que estejamos no dealbar de um novo devir que não testemunhe tempos prístinos. Não resisto por isso a vasculhar o passado ao ver como os actuais governantes, designadamente o Ministro da Saúde, põem sobre o número toda a sua esperança, representando, ele mesmo, o dito número, mais do que a própria realidade humana na sua expressão sensível.

O caso faz lembrar os filósofos Pitagóricos (ironicamente falando) que no passado deificaram o número como uma emanação divina.

De facto, os nossos governantes agarram-se aos números na forma de percentagens, rácios e mais índices, para nos explicar tudo - e que tudo ou melhora ou não piora. No ver daqueles, o número é o facto, atesta a realidade, é essência e verdade absoluta.

Especialmente o Ministro da Saúde, que se apresenta especialmente solícito aos meios de comunicação social, para explicar que aquilo que aos nossos olhos é, não o é, de acordo com os dados numéricos que ele próprio debita.

Afigura-se-me que nos querem dizer que se olharmos para esse novo Deus - O Número - com verdadeira veneração, seremos mais felizes; Derramará no nosso espírito a paz dos sábios.

Será que estamos hoje a experimentar uma espécie de recidiva pitagórica?
Ou são tudo preceitos de Maquiavel?
Onde estará a sensibilidade para os problemas sociais?
Ora vejam um exemplo hipotético (ou patético) deste espírito de amor intransigente ao número, aplicado à actual questão da reforma da saúde desta nossa República, pela forma de um diálogo Ministro / locutor:

(Perdoem-me não resistir à sátira)

Locutor inquire - A procura dos Serviços de Saúde da República aumenta, surgem, persistentes, filas de espera para as cirurgias e consultas, há caos nas urgências, disparam as despesas de saúde, há uma sangria desatada, não poucos sentem mal estar, sobe o consumo de anti depressivos. Os portugueses manifestam-se...

Ministro atalha veemente - Concluem os estudos dos nossos técnicos, recolhidos os números à estatística, realizados os gráficos de correlação e tendência, extraídas as médias, medianas e desvios padrão, correlacionando, integrando e derivando, não esquecendo a aplicação do sempre actual Teorema do velhíssimo e incontestado Pitágoras, que nada mais se passa senão que os portugueses não querem morrer (quem diria!), mas… pelos números, e os números é que dizem, as coisas não estão mal, pelo contrario, isto porque a taxa de mortalidade diminuiu e a esperança de vida aumentou. Como tal, poderá agora alguém reclamar justificadamente?

Locutor insistente arguiu - Por Júpiter, que sanguinário modo de estar leva, vós políticos do poder, às mudanças do nosso Sistema de Saúde para um porto sem vista neste mar revolto de angústia? È pergunta de muitos dos nossos concidadãos.

Ministro - É estultícia! Nada disso. A crise de vocações fez com que os portugueses passassem a ir menos ao confessionário, por isso, o aumento do consumo de anti depressivos. É tudo uma questão de fé, nós os governantes fazemos “números” para vós e por vós (…e também para nós) mas se acreditardes que o próprio Ministro da Saúde é um “número”, é quem sabe, nada tereis a temer. Haja fé no número! È a fé no número que nos salva.

Oh Zé, depois deste desarrazoado, palavras para quê…

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