quinta-feira, 2 de julho de 2009

PRECISA-SE FILOSOFIA


É apenas humano: O poder gera insensibilidade aos sofrimentos deixados nas periferias.
Aquele que um dia pediu será o último a dar. O ditado é antigo: “ Nunca sirvas a quem serviu nem peças a quem pediu”.
Porque o alpinista social age pior do que os antigos palacianos.
Se como manda Maquiavel estudarmos os antigos, veremos que tudo já se passava assim. É apenas humano há muito. Conhecer o passado é conhecer o futuro.

Os códigos de ética publicaram-se, assinam-se. Mas difunde-se a anestesia ética.
Defende-se na prática que os fins justificam os meios.
São os novos deuses. As novas religiões.
Num jardim de estátuas de pedra figuram agora novos ídolos.

Reconhecemos o consumismo e os ideais de lucro rápido vigentes.
Verificamos a voracidade pelos ganhos monetários imediatos.
De preferência sem esforço.
Sobretudo sem trabalho.
O trabalho não tem qualquer mérito.
A Sorte - essa sim, tem mérito e valor.
Quem nunca apostou nos jogos de “ficar rico - talvez”?

Ouvimos o noticiário e identificamos rotineiramente deslocalizações, fusões, aumento de valor de acções.
Pasmamos com os montantes, os números.
Fascina-nos o poder dessa estátua de pedra.
Esquecemos que tudo isso se consegue à custa do semelhante.
Quem ganha a lotaria arrecada o dinheiro dos outros, da mesma forma que o ladrão transfere para si o pecúlio de outro. Da mesma forma que em monopólio, o lucro sobre a venda corresponde ao saque daquele que cometeu extorsão.
Da mesma forma que toda a mentira se dá às custas da verdade.

Mas o que importa o conteúdo quando se posa para a fotografia?
O que importa ser, se ostentamos efemeramente o parecer?
E porém, todo o ser humano está enfermo dos seus valores éticos.

A oferta que abunda é a do prazer, do entretenimento, do esquecimento, do embotamento intelectual, da satisfação imediata das necessidades - haja cartões de crédito.
Em publicidade, ao aumento do número de bens adquiridos faz-se equivaler um aumento do bem-estar individual.
É prioritário animar a economia.
E só cada indivíduo poderá vir a ajuizar se isto corresponde à verdade, como tantas outras informações constantes nos rótulos dos produtos nas prateleiras.

E também isto é apenas humano.
E acreditamos no que queremos.
E por vezes, aquilo em que acreditamos torna-se verdade apenas por essa vontade, e durante o período de validade desse estado de auto-manipulação.

Cada um tem a sua hierarquia de valores.
Poucas vezes a tentamos de facto ordenar.
O que é certo e o que é errado, para cada um, podem até sofrer mutações ao longo da vida.
E em consciência, nem sempre agimos em conformidade com os nossos valores.
Não verificamos a nossa hermenêutica.

E contudo nem sempre nos sentimos confortáveis com os nossos actos.
E nem sempre reconhecemos que exercemos segundo a nossa axiologia.
Mais facilmente atribuímos as responsabilidades aos outros.
Os outros são os agentes.
Nós somos apenas reagentes sem opções. E quem quiser continuar nosso amigo tem de reconhecer que fizemos bem. Não pode colocar em causa os nossos actos.

Num mundo ideal, todos agiríamos naturalmente para que a nossa axiologia fosse comum.
No sentido em que faríamos o que gostaríamos que fizessem a nós, seríamos cristãos.
No sentido do imperativo categórico seríamos kantianos.
("Age de tal modo que a máxima da tua acção se possa tornar princípio de uma legislação universal”)

E as axiologias e paradigmas sócio-culturais admitem e premeiam a carência ética quando geradora de beneficio – pessoal ou grupal.
O predomínio dos Yes-men nas organizações é prova disso.
Questionar é sinónimo de problematizar.
Por outro lado é amnistiado o ladrão que rouba o ladrão.
Há indulto para os danos colaterais das guerras ou “morte sob fogo amigo”.
A responsabilidade da confiança traída é imputada a quem acreditou.
A neutralidade é preferida ao comprometimento.

A denominada crise de valores do ser humano necessita filosofia para explicar como se reconstroem axiologias.

Mas a filosofia requer tempo, que como a água, é um bem em escassez apreciável.

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